Nem tudo que parece é
Tem homem que é safado
Tem mulher que é inocente
E às vezes o descarado
Até finge que é decente
E a mulher que é contrita
Até finge que acredita
Esse era um cara safado, desses que passam brilhantina nos cabelos, sobem a calça até o estômago, mentem para a mulher e choram pedindo perdão, dizendo que nunca mais vão repetir a façanha.
Numa noite de verão Joaquim da Aldeia saiu para “tomar um ar ou comprar um cigarrinho” como sempre dizia quando queria dar voltinhas longe da casa onde morava.
Mirassol dividia-se em duas partes: a cidade alta que ficava numa região privilegiada, cheia de rios e de verde que abrigava a sociedade seleta dos Amoreiras e a aldeia também rica geograficamente que era a região dos pobres. As pessoas circulavam por ambas as regiões, mas havia muitas restrições sociais.
O Quinca da Aldeia, como era conhecido, nessa noite exagerou, pois demorou muito mais que de costume para voltar pra casa. Passou no velório do Jonga, que era um real descendente dos Amoreiras, e fez questão de cumprir suas últimas vontades.
Seu amigo havia lhe pedido que gostaria de estar, no caixão, bem enfeitado, com um lenço vermelho no pescoço com a figura de um touro bem grande, um cinto largo com fivela, botas, bombacha, chapéu e óculos escuros, as mãos postas com uma vela acesa, para honrar os seus antepassados.
Quinca, fez tudo isso, mas as pessoas que entravam na sala não entendiam muito bem e ficavam assustadas, principalmente com os óculos escuros.
Por causa das explicações necessárias, ele acabou demorando mais do que pretendia no velório do amigo.
Seo Teófilo chegou com uma tosse tão forte que não parava de escarrar e pediu ao Quinca que o ajudasse a se despedir do amigo. – Estou esperando um remédio da flora medicinal chamado Catarrã.
As mulheres lhe sugeriram que não cuspisse no chão, mas ele não entendeu… foi quando entrou na sala, vindo do quintal, um pintinho e ficou grudado no catarro do seo Teófilo.
Foi feita a higiene do recinto.
Depois de muito tempo perdido, com assuntos tristes e bizarros, Quinca achou que tinha direito de se divertir um pouco. Foi quando, saindo, encontrou o grupo dos primos, o Pedrão e o Valdomiro, que também andavam pela aldeia procurando diversão.
As mulheres de Mirassol sabiam de tudo isso, mas fingiam ignorar, pois assim a vida corria mais fácil e elas sempre mantinham a pose de esposas bem casadas com bons maridos. E ainda se reuniam para tomar o chá da tarde e falar mal das mulheres da aldeia, que não tinham compostura e não respeitavam seus maridos, nem irmãos e também das filhas deles, que não eram bem educadas.
O Joaquim da Aldeia, vulgo Quinca, já tinha ficado muito aflito porque soube que o coronel Jacinto das Neves havia falado de sua esposa.
Ah, não, Palmirinha, não, Palmirinha, não! Se quiser falar de mim, tudo bem, mas de minha Palmirinha não. Eu sou um cafajeste, mas Palmirinha não! Em mulher minha ninguém mexe!
E o grupo, nessa noite, encontrou o delegado que, farto de suas peripécias, acabou com a programação.
Chega de farra, turma, cada um pra sua casa. E, desta vez, não enrolaram o delegado.
Quinca finalmente chegou a sua casa, tão tarde, que não tinha mais explicações para dar à mulher, que havia jurado não perdoar as suas safadezas, jamais. Ficou sentado uns minutos, criando coragem, com medo de bater à porta. Finalmente, animou-se:
-Palmirinha, abre a porta pro seu nego!
– Arreda, cafajeste!
– Palmirinha, eu tô inocente, Palmirinha, se ocê soubesse o que o seu nego passô…
-Arreda, cafajeste !
-Palmirinha, se ocê não abrir essa porta eu vô embora e nunca mais vou voltá…e aí ocê vai aguentá viver sem seu nego?
-Arreda, cafajeste!
Minutos de silêncio. Palmirinha pensa. Quinca sabia que Palmirinha deveria estar balançada com a sua partida pra sempre. Minutos de silêncio. Quinca insiste:
-Vai querê ficá sem seu Nego, Palmirinha? E pra sempre?
-Arreda, cafajeste!
Quinca raciocinava na quietude da noite – de repente, viu o poço e teve uma ideia genial:
Palmirinha, eu sempre te amei, mas, se ocê não abrir essa porta e me deixar entrar em casa, eu me atiro dentro do poço e aí sim, ocê só vai me vê depois de morto!
Silêncio de espera… Foi quando se ouviu um barulho muito forte: tchbum! um! um! um!
Gritarias, porta aberta, desmaios, remorsos, vizinhança a postos tentando ajudar, Palmirinha puxando os cabelos, promessas de nunca mais brigar com o marido, caso ele se salvasse, vizinho trazendo corda…
Quinca, escondido atrás da árvore, olhava atento a confusão, espantado mais uma vez com a sua safadeza:
Mas, não é que aquela pedra, junto do poço, teve uma grande serventia?