Álvaro de Campos – uma fatia da identidade de Fernando Pessoa

Falar de Fernando Pessoa não é só falar do maior poeta em Língua Portuguesa do século XX, mas é falar também da identidade controvertida de um gênio, que agrupou vários poetas num só.

Goffman, utilizou-se da metáfora da “ação teatral” para explicar a ideia de que todo ser humano, em qualquer situação social apresenta-se diante dos outros procurando dirigir ou dominar as impressões que causa em seus semelhantes. Nesses sentido, é que o homem emprega determinadas técnicas para sustentar seu desempenho, igualando-se a um “ator”, que representa uma “personagem”, diante do público. O indivíduo representa um papel solicitando (implicitamente) de seus observadores que o levem a sério. É fato que no teatro o ator representa um papel, dessa maneira é que o papel representa  e caracteriza a personagem. Nessa perspectiva, pode-se dizer que, pelos seus versos, as personagens criadas por F. Pessoa revelam muito de seu criador e passam a agir como tal. Compreende-se dessa forma, que elas podem ser tratadas como tal e passam a corresponder às expectativas nela depositadas pelo seu criador. É assim que o seu papel as caracterizam.
Ciampa observa que a identidade, a princípio, assume a forma de um nome para ir adotando em seu processo de desenvolvimento, outras predicações como os papéis, mas a forma que melhor a explica em sua generalidade é a “personagem”. Dessa forma o nome revela o indivíduo isolado (Álvaro de Campos) e as suas ações (que seu criador propõe) revelam uma personagem ativa que se vai transformando na vivência de suas criações e que continua a existir dependentemente da atividade que a engendrou. Portanto, Álvaro de Campos continuará a existir, até o momento de sua morte que Fernando Pessoa propõe.

foi em 8 de março de 1914- acerquei- me de uma cômoda alta, e, tomando um papel, comecei a escrever de pé, como escrevo sempre que posso. Foi o dia triunfal de minha vida e nunca poderei ter outo assim. Num jacto à máquina de escrever, sem interrupção nem emenda, surgiu a Ode Triunfal de Álvaro de Campos- a Ode com esse nome que tem. Parece que tudo se passou independente de mim… Eu vejo diante de mim… no espaço incolor, mas real do sonho as caras e os gestos de minhas personagens. Construí-lhes as idades e as vidas…

Mas as personagens de Pessoa desdobram-se em muitas outras, conforme o seu processo criador ( Alberto Caieiro; Ricardo Reis). E embora todas as personagens sejam criações de Pessoa, cada uma possui a sua forma especial de estar no mundo e de transformar essa forma em versos, diferentes dos versos de Pessoa.

Álvaro de Campos


Não, não quero nada
já disse que não quero nada
Não me venham com conclusões!
A única conclusão é morrer
_________________
Que mal fiz eu aos deuses todos?
Se têm a verdade, guardem-na…

Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.

Fernando Pessoa

Autopsicografia

O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente
.

E os que lêem o que escreve
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só as que ele não têm
.

E assim nas calhas da roda
Gira, a entreter a razão
Esse comboio de corda
que se chama coração
.

Esses são os versos mais conhecidos de F. Pessoa. Ele diz que o poeta tem duas dores: uma que ele sente, de fato, e outra que ele finge sentir, através da poesia. E foi fingindo, tão completamente, que fica difícil espreitá-lo fora de suas personagens.

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