Pretendi uma interlocução com os pioneiros, para poder compreender sua longa e exaustiva descida até o Pantanal bravio, a ocupação do espaço, a criação das primeiras fazendas, o início da pecuária, e, nesse cenário, sempre ele, o homem, o pioneiro, no centro de tudo. Há muita coisa escrita sobre o Pantanal. Na verdade, ele tem sido louvado em vários trabalhos e fotografado em todos os seus recantos. Mas, é sempre o Pantanal-cenário que ilustra os livros e os folhetos das agências de turismo e encanta aqueles que os leem. Parece que fica faltando sempre, nesses escritos, a voz do dono, da pessoa que aprendeu a conviver com esse contexto porque dele faz parte. Chamo de pantaneiro, aqui, o homem que habita o Pantanal, reside ali e trabalha, ou já deixou o espaço, mas, mantém vínculos afetivos e econômicos com o lugar. Trabalho com a ideia de que não há um homem “pantaneiro” especificamente, mas sim sujeitos que produzem sua existência no espaço do Pantanal e que assim, realizam uma experiência cultural que traz traços singulares em razão das especificidades locais. Trata-se de um homem que é universal, pois, é como todos os outros homens, mas, também é singular em razão da forma como organiza e produz sua existência, nesse caso, no Pantanal. Seus intérpretes tratam esse homem, cada um à sua maneira, mas entendo que ele é um sujeito que produz a sua existência material nesse espaço chamado Pantanal e, por isso, traz os traços singulares dessa região, onde vive e trabalha. A universalidade está presente nele, como em todos os outros homens, mas a sua singularidade decorre das relações que experimenta. Nesse sentido, os referenciais da linha histórica sustentam as minhas ideias.
As ideias abaixo foram retiradas da Tese da Professora Doutora Albana Xavier Nogueira
Mais importante do que tudo isto,ou tão importante quanto, é o HOMEM que habita os pantanais , o pantaneiro típico (uma das espécies em extinção), aquele que se inquieta com o canto da macauã, que perscruta o céu para ler a inquietação dos astros, que conta mentiras em tom de perfeita verdade, que coloca apelido nos amigos e nos visitantes, que possui excelente memória para guardar os inúmeros “causos” de assombração e de entidades estranhas que povoam os capões e as porteiras, confundindo realidade e mito, verdade e pura imaginação, que preserva a natureza pantaneira como uma extensão de sua própria vida.
A princípio desconfiado, mas seguramente hospitaleiro e de boa prosa, o pantaneiro não dispensa o tereré, a bebida típica da região. Quando na lida, no campereio, na apartação, na bagualeação, sua maior preocupação é com os apetrechos do tereré, se possível tomado numa bela sombra, à beira de uma aguada, entre uma prosa e outra.
Embora seja difícil encontrarem-se, hoje, pantaneiros com a mesma fibra dos desbravadores e dos seus sucessores imediatos, ainda é possível que se descubram alguns remanescentes dessa casta de homens que, assumindo a personalidade pantaneira, tornaram-se os sujeitos da própria trajetória, que se iniciou nas picadas e nos trilheiros, continuou nas bitolas e desemboca no asfalto, caminho aberto para as grandes transformações. São estes pantaneiros, dentre os quais se incluem os vaqueiros e/ou peões típicos (também em extinção), que ainda podem narrar uma história da qual participam como personagens principais.
“O Pantanal é para pantaneiro. Assim seja!”
Abílio de Barros