As águas subiram …Eles entraram no rancho.
A mulher se refugiava no jirau com os filhos, e lá ficava dois meses até que as águas baixassem.
O homem chegava de canoa, dava notícias do gado e dormia.
Que solidão!
Jacarés passeavam dentro da casa, pelas peças vazias, pegando peixes na gaveta das mesas.
( Gramática Expositiva do Chão)
A poesia “despida de roupagens gramatical e lógica”
Na poesia de Manoel de Barros, a estrutura sintática permanece como acessória, latente, a palavra perde as suas conotações de dicionário, deixa as aderências de um emprego convencional e sensato para assumir uma linguagem essencialmente conotativa; o tom indefinido da metáfora corresponde ao indefinido da sua vida interior, ou seja uma expressão a -lógica, a- narrativa, a- racional, a-histórica e a-descritiva, para abarcar tudo quanto existe de a-lógico, a- narrativo, a racional e a-histórico no interior do poeta.
A leitura da obra de Manoel de Barros, leva-nos para um mundo em que ele, criança, vivia simplesmente, construía seus próprios brinquedos, criava seus amigos que o ajudavam a ser feliz, observava o mundo de uma forma muito particular, aprendia com os pássaros e garças, fazia seus exercícios poéticos e já ousava peraltagens com as palavras.
Depois da publicação de “Memórias Inventadas- A Infância”, a editora lhe pediu que completasse a sua Autobiografia, com o que seria o livro da Mocidade e da Velhice, o Poeta respondeu que não seria capaz porque só teve infância ” me abasteço na infância e minha palavra é bem de raiz e bebe na fonte do ser”.
“Dou respeito às coisas desimportantes e aos seres desimportantes. Prezo insetos mais que aviões.
Prezo a velocidade das tartarugas mais
que a dos mísseis.
Tenho em mim esse atraso de nascença
Eu fui aparelhado para gostar de passarinhos.”

(… ) O que desejo é apenas uma casa,
e, em verdade, não é necessário que seja azul
nem que tenha cortinas de rendas.
em verdade, nem é necessário que tenha cortinas.
quero apenas uma casa, em uma rua sem nome,
sem nome porém honrada, Senhor.
Só não dispenso a árvore.
porque é a mais bela coisa que
nos deste e a menos amarga.
Quero de minha janela sentir
os ventos pelos caminhos, e ver o sol
dourando os cabelos negros
e os olhos de minha amada.
Também a minha amada, não dispenso , meu Senhor
em verdade, ela é a parte mais importante deste poema (…)